Boas Práticas de Eliminação de Documentos — A (agradável) descoberta da FT9 da DGLAB

Recentemente, deparamo-nos com a Ficha Técnica n.º 9 (FT9) da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), intitulada “Boas Práticas de Eliminação de Documentos”. Confessamos que não conhecíamos este documento, mas a sua leitura foi uma agradável surpresa.

Trata-se de uma norma clara, prática e extremamente útil para qualquer organização que pretenda assegurar uma eliminação documental criteriosa, segura e com base em bons princípios para uma adequada gestão da informação.

A FT9 apresenta um conjunto de recomendações técnicas e operacionais que orientam os serviços da Administração Pública — e não só — na execução de processos de eliminação documental com rigor e responsabilidade.

O que é a FT9?

A FT9 foi publicada pela DGLAB no âmbito do apoio técnico aos serviços e organismos da Administração Pública, com o objetivo de normalizar e qualificar os procedimentos de eliminação documental, reforçando o seu alinhamento com os princípios da gestão de documentos e da preservação da memória institucional.

A importância de eliminar documentos corretamente.

A eliminação de documentos não é apenas uma questão de espaço. É uma prática essencial para:

  • Mitigar riscos legais e reputacionais, eliminando documentos fora do prazo legal ou sem valor administrativo, fiscal ou histórico;
  • Proteger dados pessoais e informação sensível, em conformidade com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD);
  • Otimizar recursos e tornar a gestão documental mais ágil e eficiente;
  • Garantir a rastreabilidade e a transparência das decisões de eliminação.

Os Princípios-chave da FT9

A FT9 assenta em cinco eixos fundamentais:

  1. Planeamento e Autorização: Nenhuma eliminação deve ocorrer sem prévia análise e autorização formal. A decisão deve basear-se em Instrumentos de Avaliação Documental (IAD) devidamente aprovados.
  2. Documentação do Processo: O processo de eliminação deve ser inteiramente documentado, incluindo listas de eliminação, autos formais com registo dos intervenientes e responsáveis.
  3. Segurança da Eliminação: A destruição deve garantir a inacessibilidade e irrecuperabilidade da informação, adaptando o método (fragmentação, trituração, etc.) ao tipo de suporte e à sensibilidade dos dados.
  4. Transparência e Rastreabilidade: A organização deve manter registos verificáveis das eliminações realizadas, incluindo datas, responsáveis e métodos utilizados.
  5. Validação Arquivística: Sempre que existam dúvidas sobre o valor histórico ou probatório de determinada documentação, deve ser solicitada a validação do serviço de arquivos da entidade, ou da própria DGLAB, antes de proceder à eliminação.

Tópicos sobre a FT9 — Estrutura e Recomendações

A ficha está organizada de forma sintética, mas rigorosa, abordando:

Requisitos prévios à eliminação

Antes de qualquer eliminação, devem estar reunidas condições fundamentais:

  • Existência de um Instrumento de Avaliação Documental (IAD) aprovado pela DGLAB ou autoridade arquivística competente;
  • Garantia de que os documentos cumpriram o prazo de conservação definido no IAD;
  • Validação arquivística — se necessário — para casos ambíguos, duvidosos ou não cobertos pelos IAD existentes.

Procedimentos formais

A FT9 exige o cumprimento de várias etapas formais documentadas:

  • Listagem de Eliminação: Documento técnico que identifica os conjuntos documentais a eliminar (tipologias, datas extremas, quantidades, localização).
  • Auto de Eliminação: Documento administrativo que formaliza a autorização de eliminação, com indicação dos responsáveis, data e método de destruição.
  • Registo e arquivo de evidências: Os autos e listagens devem ser mantidos como prova da conformidade do processo, garantindo a rastreabilidade e transparência.

Métodos de destruição

A escolha do método de destruição depende da natureza e sensibilidade da informação:

  • Suporte papel: trituração ou incineração (não aconselhável dada a sua alta capacidade poluidora, resultante da libertação de gases e resíduos durante a combustão);
  • Suporte digital: sobrescrita segura, desmagnetização (degaussing), destruição física de dispositivos (HDDs, CDs, pens, etc.).

Resumo das Boas práticas incluídas.

A FT9 propõe ainda um conjunto de boas práticas operacionais, entre as quais se destacam:

  • Designar um responsável pelo processo de eliminação;
  • Sensibilizar os colaboradores para a importância do cumprimento dos prazos de conservação;
  • Avaliar os riscos associados à destruição de informação;
  • Utilizar equipamentos adequados para eliminação física e lógica (no caso de suportes digitais);
  • Garantir a conformidade com normas e legislação aplicável, como a ISO 27001, RGPD e ISO 15489, entre outros.

A FT9 recomenda expressamente a adaptação do método ao grau de sensibilidade da informação e, se aplicável, às normas específicas de proteção de dados.

Na prática, qual o valor real da FT9

O mérito da FT9 está na sua clareza e aplicabilidade imediata. É um documento que pode — e deve — ser usado por:

  • Serviços de arquivo e gestão documental;
  • Responsáveis de segurança da informação e DPOs;
  • Entidades públicas que operam com sistemas híbridos (papel e digital);
  • Organizações que pretendem reforçar a conformidade com o RGPD, ISO 27001, ISO 15489 ou outros referenciais normativos.

Conclusão

A eliminação de documentos deve ser vista como um ato de responsabilidade institucional, e não como um simples procedimento de rotina.

A adoção das práticas propostas pela FT9 da DGLAB contribui para uma cultura organizacional mais consciente, segura e transparente, onde a informação é valorizada ao longo de todo o seu ciclo de vida.

No atual contexto de transformação digital e de crescente preocupação com a proteção da informação, estas orientações assumem uma importância ainda maior — promovendo a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e reforçando a resiliência da Administração.

A seguir, com base na nossa interpretação da FT9, criamos um caso de uso de exemplo para ilustrar um processo.

É apenas uma abordagem baseada na nossa experiência, nada mais.


🗂️ Exemplo Prático — Eliminação de Processos de Recrutamento com base na FT9 da DGLAB

Contexto:

Um organismo da administração pública pretende eliminar processos de recrutamento concluídos entre 2008 e 2013, conservados em suporte papel, e que já ultrapassaram o prazo legal de conservação estabelecido pelo seu Instrumento de Avaliação Documental (IAD) interno.

Etapas seguidas segundo a FT9:

1. Verificação dos requisitos prévios

  • Consultado o IAD aprovado, verificou-se que os processos de recrutamento têm um prazo de conservação de 10 anos após o encerramento do procedimento.
  • Os documentos datam de 2008 a 2013, estando assim todos fora do prazo.
  • Confirmado junto do serviço de arquivo que não há interesse histórico, legal ou probatório que justifique a conservação excecional de algum dos processos.

✅ Os documentos podem ser eliminados.

2. Elaboração da Listagem de Eliminação

O técnico responsável preencheu a listagem com os seguintes dados:

CampoConteúdo
Tipologia documentalProcessos de recrutamento externo
Datas (inicio e fim)2008–2013
Quantidade aproximada4 metros lineares (80 pastas)
Localização físicaArquivo intermédio – Estante 3B, Prateleiras 2 a 5
Referência ao IADIAD 2015/02 – Ponto 4.2 – “Recursos Humanos: Recrutamento e Seleção”
Responsável pela propostaCarlota Mendes (Responsável do Arquivo)

✅ A listagem foi validada pelo responsável do arquivo e submetida à direção para aprovação.

3. Elaboração e assinatura do Auto de Eliminação

Foi elaborado um Auto de Eliminação que incluiu:

  • Referência à listagem aprovada;
  • Indicação da data da eliminação: 25 de março de 2025;
  • Identificação dos responsáveis: Carlota Mendes (arquivo) e Joaquim Lopes (Subdiretor-Geral);
  • Método de eliminação: trituração com fragmentação tipo P-5 (conforme norma DIN 66399);
  • Local da destruição: instalações próprias, sala segura;
  • Observações: destruição a realizar internamente, sem intervenção de terceiros.

✅ O auto foi assinado digitalmente e arquivado eletronicamente.

4. Execução da eliminação

  • As 80 pastas foram transferidas para a sala de destruição;
  • A operação foi executada por dois técnicos com registo em folha de controlo;
  • A trituração foi realizada com equipamento próprio certificado;
  • Foi registada a data, hora, operador e volume destruído.

5. Registo e arquivo da evidência

✅ Toda a documentação do processo (listagem, auto, registo de destruição) foi digitalizada e arquivada no sistema de gestão documental da entidade, com o seguinte código: ARQ.ELIM/2025/03-Recrutamento-2008-2013


Referência:
DGLAB – Ficha Técnica n.º 9: Boas Práticas de Eliminação de Documentos
https://dglab.gov.pt

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